quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

E a bagunça carnavalesca continua: até quando isso?

O carnaval é um conjunto de festividades populares que ocorrem em diversos países e regiões católicas nos dias que antecedem o início da Quaresma, principalmente do domingo da Qüinquagésima à chamada terça-feira gorda. Embora centrado no disfarce, na música, na dança e em gestos, a folia apresenta características distintas nas cidades em que se popularizou.

O termo carnaval é de origem incerta, embora seja encontrado já no latim medieval, como carnem levare ou carnelevarium, palavra dos séculos XI e XII, que significava a véspera da quarta-feira de cinzas, isto é, a hora em que começava a abstinência da carne durante os quarenta dias nos quais, no passado, os católicos eram proibidos pela igreja de comer carne.

A própria origem do carnaval é obscura. É possível que suas raízes se encontrem num festival religioso primitivo, pagão, que homenageava o início do Ano Novo e o ressurgimento da natureza, mas há quem diga que suas primeiras manifestações ocorreram na Roma dos césares, ligadas às famosas saturnálias, de caráter orgíaco. Contudo, o rei Momo é uma das formas de Dionísio — o deus Baco, patrono do vinho e do seu cultivo, e isto faz recuar a origem do carnaval para a Grécia arcaica, para os festejos que honravam a colheita. Sempre uma forma de comemorar, com muita alegria e desenvoltura, os atos de alimentar-se e beber, elementos indispensáveis à vida.

O entrudo, importado dos Açores, foi o precursor das festas de carnaval, trazido pelo colonizador português. Grosseiro, violento, imundo, constituiu a forma mais generalizada de brincar no período colonial e monárquico, mas também a mais popular. Consistia em lançar, sobre os outros foliões, baldes de água, esguichos de bisnagas e limões-de-cheiro (feitos ambos de cera), pó de cal (uma brutalidade, que poderia cegar as pessoas atingidas), vinagre, groselha ou vinho e até outros líquidos que estragavam roupas e sujavam ou tornavam mal-cheirosas as vítimas. Esta estupidez, porém, era tolerada pelo imperador Pedro II e foi praticada com entusiasmo, na Quinta da Boa Vista e em seus jardins, pela chamada nobreza... E foi livre até o aparecimento do lança-perfume, já no século XX, assim como do confete e da serpentina, trazidos da Europa.

Durante o império, as músicas cantadas no período carnavalesco, no Brasil, eram árias de operetas, depois lundus, tanguinhos, polcas e até valsas. No início do século XX, predominaram, nas ruas, as cantigas de cordões e ranchos e, nos bailes, chorinhos lentos, polcas-chulas, marchas, fados, polcas-tangos, toadas e canções. Logo após a primeira guerra mundial, os palcos dos teatros-de-revista tornaram-se os lançadores das músicas de carnaval e iniciou-se, então, o domínio das marchinhas, maxixes, marchas-chulas, cateretês e batucadas. E também do samba, que, na era do rádio, entre 1930 e 1960, dividiu os louros com a marchinha, embora às vezes cedesse ao sucesso de um jongo, de uma valsa ou de uma batucada. O samba, nos salões e na rua, era absoluto. Mas desde fins do decênio de 1960, com a consolidação do desfile das escolas de samba, o samba e a marcha mergulharam no ostracismo, trocados pelo samba-enredo das escolas de samba.

A outra cidade em que a participação popular é costumeira, e onde todos cantam, dançam e brincam é Salvador. Uma invenção surgida na década de 1970 e que, à diferença do frevo, conseguiu contagiar outros estados e cidades, foi o trio elétrico — um caminhão monumental no qual se instalam aparelhos de som, equipados com poderosos alto-falantes que reproduzem continuamente as composições carnavalescas gravadas[1].

Definido um pouco sobre a história do carnaval, pretendo aqui colocar discussões a cerca do carnaval de hoje em dia. O poder público, associado ao setor privado, cujo objetivo é nada mais do que o lucro, propaga que o carnaval baiano é o mais democrático e popular que existe, a mais bonita, onde todos se entrelaçam. Temos que analisar bem o poder que têm essas palavras, observarmos se realmente existe democracia no carnaval, se existe a democracia racial, se existe mesmo a participação de todos em comum nos festejos.

Em Itabuna o carnaval fora de época – Micareta – não teve esse ano, isso também merece análises, porque o carnaval gera um lucro paralelo ao grande capital, muitos ganham com a festa, porém os que arregimentam em pecúlio provisório não saem com o grosso da moeda, mas já servem pra pagar algumas contas no final do mês. Sei do que significa ter uma festa de grandes proporções em uma cidade, são transeuntes de várias localidades, hotelaria, bares, restaurantes, entre outros, que vêem na festa a participação em se ter uma renda extra. Porém, fico alegre em saber que os índices de assaltos não serão tão altos como em épocas de festividades, pessoas não serão agredidas, hospitais não serão muito visitados, e o melhor: seres-humanos não serão vitimados ao óbito, só em saber que pessoas não serão mortas no carnaval ou ao se dirigir a ela, já se faz por refletir.

Todo povo precisa de suas festividades, isso também é cultura, mas também temos que analisar o tipo de festividade que o povo quer ou a mídia fomenta. Temos que observar o caráter de cada festa, quem sai ganhando, como está sendo planejado o espaço da festa, do folião e como está sendo o policiamento, uma festa é algo que se planeja muito e até mesmo durante a festa deve-se estar re-planejando e refazendo-a. Itabuna não teve porque o momento político e o prestígio pessoal do prefeito (Fernando Gomes) estavam sendo abalados e também não tinha o apoio expressivo do novo governador (Jaques Wagner). Carnaval da indústria sai caro e o povo de certa forma é induzido a gostar de quem está em evidência na fama, e isso sai caro para uma máquina pública sozinha investir. No caso de Itabuna, não existem grandes blocos que queiram explorar o mercado do sul da BA, então ficar somente a mercês da prefeitura (que é bastante oneroso) e pode acarretar uma incorreta atuação por parte da prefeitura em benefício às necessidades básicas do povo itabunense.

Outra coisa que precisa ser desmascarado definitivamente é achar que no Brasil e principalmente a BA tem uma democracia de raças, que aqui tudo é prazer, beleza, paz e harmonia, que o não existe conflito de classe e tudo acaba em festa – é o mito da democracia racial. Muito pelo contrário, como em qualquer sociedade capitalista, aqui também existe exploração compulsória, desmantelamentos sociais, desrespeitos humanos, falta de compromisso ético, racial e social perante seu povo. As elites, o grande capital, as multinacionais, também ganham rios de dinheiro em detrimento das faltas de equidades participativas dos lucros, visto que aqui eles vêm com isenções fiscais, exploração do trabalho barato e nenhuma garantia de lazer, médica e habitacional, seu povo vivendo no mais absoluto estado de miserabilidade social – salvo raras exceções.

Isso também se materializa na festa de carnaval baiano onde o pobre negro vive a margem do lucro obtido por essa festa. Vemos os negros pobres (maior parte do povo soteropolitano) no carnaval da Bahia sendo o sustentador da festa, eles sãos os cordeiros, os catadores de latinhas e lixo, os capeteros e barracas auxiliares, os descamisados, os que levam porrada da polícia, os que são vitimados de suas vidas, os vendedores de gelos[2], enfim o que tentam sobreviver com o outro lado da exploração capitalista. Na outra parte da festa temos os que desfrutam de certo capitais ou se endividam o ano todo, mas querem participar dentro da festa (blocos) ou por cima dela (camarotes) e para isso são chamados de gente bonita, ou seja o protótipo de cor que a massificação cultural procura legitimar. Não podemos jamais dizer que a festa de Salvador ou seja ela que for na Bahia, até mesmo o new São João, é democrática.

Salvador, a Bahia e sua festa são um atrativo pra gringo ver, aqui a exploração sexual toma conta, drogas são praticamente liberadas (se estiver dentro de um grande bloco usa-se lança-perfume, ou estou errado?), pessoas se armam com armas de fogo ou pontiagudos, as vestimentas induzem ao sexo livre, as danças tem caráter sexuais e crianças as reproduzem, pessoas são agredidas, roubadas, violentadas, estupradas e mais uma vez volto a dizer: vitimadas. É isso a festa bonita? O que é uma festa bonita onde a maior parte de seu povo não pode participar das benesses dela? Repito, quem sai ganhado com a festa? Em que momento olho pra festa e me vejo como cidadão e vejo o eu no outro? Precisamos rever conceitos, não necessariamente sermos saudosistas, mas, como disse no início, repensar os fatos, não aceitar as coisas como elas são ou querem que sejam. Carnaval significa cerne-vale, e parece que aqui no meu Estado isso se arregimentou. Vale tudo aqui, se for branco, gringo e tiver muito dinheiro para se satisfazer e deliciar com o turismo sexual. E os afro-descendentes mais uma vez sendo escravos de uma elite que não quer deixar a casa branca e suas festas.

Por isso no carnaval e nos festejos da Bahia temos que abrir bem os nossos olhos, aguçar o nosso senso crítico, porque senão o que a elite e o dono do capital querem, é que o povo tenha muito trio, samba, forró, fank, arrochas, etc, associados a letras de baixo escalão ou nenhum, para que assim o seu povo, capacho, encabestrado, possa não raciocinar e verem seus poderes sendo perpetuados. Resistimos sempre e viva a resistência, seja ela aonde estiver, nas igrejas, nas ruas, nas escolas, nas boas famílias, nos movimentos sociais, na descrença e acima de tudo na indignação de não querermos ser apenas marionetes em mãos de um falso e momentâneo prazer.

wagaoprofessor@gmail.com

wagaoprofessor.blogspot.com


[1] Essas e muitas outras informações sobre o carnaval encontra-se no sit

http://www.miniweb.com.br/Cidadania/Dicas/carnaval.html?t=012

[2] Refiro-me em ralação a totalidade dos casos ou seja a maioria em estatística.