quinta-feira, 10 de abril de 2014

11 filmes para entender a ditadura militar no Brasil

11 filmes para entender a ditadura militar no Brasil

Cena de Batismo de Sangue (Reprodução)

Das sessões de tortura aos fantasmas da ditadura, o cinema brasileiro invariavelmente volta aos anos do regime militar para desvendar personagens, fatos e consequências do golpe que destituiu o governo democrático do país e estabeleceu um regime de exceção que durou longos 21 anos. Estreantes e veteranos, muitos cineastas brasileiros encontraram naqueles anos histórias que investigam aspectos diferentes do tema, do impacto na vida do homem comum aos grandes acontecimentos do período.
Embora a produção de filmes sobre o assunto tenha crescido mais recentemente, é possível encontrar obras realizadas durante o próprio regime militar, muitas vezes sob a condição de alegoria. "Terra em Transe", de Glauber Rocha, é um dos mais famosos, retratando as disputas políticas num país fictício. Mais corajoso do que Glauber foi seu conterrâneo baiano Olney São Paulo, que registrou protestos de rua e levou para a tela em forma de parábola, o que olhe custou primeiro a liberdade e depois a vida.
Os onze filmes que compõem esta lista, se não são os melhores, fazem um diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura brasileira.
1. MANHÃ CINZENTA (1968), Olney São Paulo – Em plena vigência do AI-5, o cineasta-militante Olney São Paulo dirigiu este filme, que se passa numa fictícia ditadura latino-americana, onde um casal que participa de uma passeata é preso, torturado e interrogado por um robô, antecipando o que aconteceria com o próprio diretor. A ditadura tirou o filme de circulação, mas uma cópia sobreviveu para mostrar a coragem de Olney São Paulo, que morreu depois de várias sessões de tortura, em 1978.
2. PRA FRENTE, BRASIL (1982), Roberto Farias – Um homem comum volta para casa, mas é confundido com um "subversivo" e submetido a sessões de tortura para confessar seus supostos crimes. Este é um dos primeiros filmes a tratar abertamente da ditadura militar brasileira, sem recorrer a subterfúgios ou aliterações. Reginaldo Faria escreveu o argumento e o irmão, Roberto, assinou o roteiro e a direção do filme, repleto de astros globais, o que ajudou a projetar o trabalho.
3. NUNCA FOMOS TÃO FELIZES (1984), Murilo Salles – Rodado no último ano do regime militar, a estreia de Murilo Salles na direção mostra o reencontro entre pai e filho, depois de oito anos. Um passou anos na prisão; o outro vivia num colégio interno. Os anos de ausência e confinamento vão ser colocados à prova num apartamento vazio, onde o filho vai tentar descobrir qual a verdadeira identidade de seu pai. Um dos melhores papéis da carreira de Claudio Marzo.
4. CABRA MARCADO PARA MORRER (1984), Eduardo Coutinho – A história deste filme equivale, de certa forma, à história da própria ditadura militar brasileira. Eduardo Coutinho rodava um documentário sobre a morte de um líder camponês em 1964, quando teve que interromper as filmagens por causa do golpe. Retomou os trabalhos 20 anos depois, pouco antes de cair o regime, mesclando o que já havia registrado com a vida dos personagens duas décadas depois. Obra-prima do documentário mundial.
5. O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (1997), Bruno Barreto – Embora ficcionalize passagens e personagens, a adaptação de Bruno Barreto para o livro de Fernando Gabeira, que narra o sequestro do embaixador americano no Brasil por grupos de esquerda, tem seus méritos. É uma das primeiras produções de grande porte sobre a época da ditadura, tem um elenco de renome que chamou atenção para o episódio e ganhou destaque internacional, sendo inclusive indicado ao Oscar.
6. AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998), Beto Brant – Beto Brant transforma o reencontro de quatro ex-guerrilheiros, 25 anos após o fim do regime militar, numa reflexão sobre a herança que o golpe de 1964 deixou para os brasileiros. Os quatro amigos, torturados durante a ditadura, descobrem que seu carrasco, o homem que matou a namorada de um deles, ainda está vivo –e decidem partir para um acerto de contas. O lendário pagador de promessas Leonardo Villar faz o torturador.
7. CABRA CEGA (2005), Toni Venturi – Em seu melhor longa de ficção, Toni Venturi faz um retrato dos militantes que viviam confinados à espera do dia em que voltariam à luta armada. Leonardo Medeiros vive um guerrilheiro ferido, que se esconde no apartamento de um amigo, e que tem na personagem de Débora Duboc seu único elo com o mundo externo. Isolado, começa a enxergar inimigos por todos os lados. Belas interpretações da dupla de protagonistas.
8. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS (2006), Cao Hamburger – Cao Hamburger, conhecido por seus trabalhos destinados ao público infantil, usa o olhar de uma criança como fio condutor para este delicado drama sobre os efeitos da ditadura dentro das famílias. Estamos no ano do tricampeonato mundial e o protagonista, um menino de doze anos apaixonado por futebol, é deixado pelos pais, militantes de esquerda, na casa do avô. Enquanto espera a volta deles, o garoto começa a perceber o mundo a sua volta.
9. HOJE (2011), Tata Amaral – Os fantasmas da ditadura protagonizam este filme claustrofóbico de Tata Amaral. Denise Fraga interpreta uma mulher que acaba de comprar um apartamento com o dinheiro de uma indenização judicial. Cíclico, o filme revela aos poucos quem é a protagonista, por que ela recebeu o dinheiro e de onde veio a misteriosa figura que se esconde entre os cômodos daquele apartamento. Denise Fraga surpreende num papel dramático.
10. TATUAGEM (2013), Hilton Lacerda – A estreia do roteirista Hilton Lacerda na direção é um libelo à liberdade e um manifesto anárquico contra a censura. Protagonizado por um grupo teatral do Recife, o filme contrapõe militares e artistas em plena ditadura militar, mas transforma os últimos nos verdadeiros soldados. Os soldados da mudança. Irandhir Santos, grande, interpreta o líder da trupe. Ele cai de amores pelo recruta vivido pelo estreante Jesuíta Barbosa, que fica encantado pelo modo de vida do grupo.
11. BATISMO DE SANGUE (2007) – Apesar do incômodo didatismo do roteiro, o longa é eficiente em contar a história dos frades dominicanos que abriram as portas de seu convento para abrigar o grupo da Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella. Gerando desconfiança, os frades logo passaram a ser alvo da polícia, sofrendo torturas físicas e psicológicas que marcaram a política militar. Bastante cru, o trabalho traz boas atuações do elenco principal e faz um retrato impiedoso do sofrimento gerado pela ditadura.

http://www.geledes.org.br/acontecendo/noticias-brasil/24160-11-filmes-para-entender-a-ditadura-militar-no-brasil



O que o seu clube fez durante a Ditadura Militar de 64

Hoje, quase todo mundo é contra a ditadura. Mas, nos anos mais pesados do regime, pouquíssimas pessoas se levantaram contra ele. No futebol não foi diferente. Foram 21 anos sob as ordens dos militares. A população brasileira passou mais de duas décadas permeada pela supressão dos direitos, pela censura, pela repressão – obviamente, em intensidades nem sempre constantes. No entanto, não foi ao longo dos 21 anos que o futebol, um dos principais símbolos culturais do Brasil, levantou sua voz contra a ditadura. Os exemplos são raros, passíveis de se contar nos dedos. E, mesmo assim, a maioria delas saindo da garganta de indivíduos, jogadores.
Na maior parte do tempo, os clubes se mantiveram alheios ao regime que imperava no país. Não interessava muito para eles misturar futebol e discussão política. Mas isso até a segunda página, claro. Afinal, a organização dos clubes sempre esteve inserida em jogos de interesse, trocas de favores, clientelismos e dependência financeira. Principalmente em tempos de autoritarismo, quando a liberdade para a tomada de decisões era mínima.
Ainda assim, não dá para ser categórico ao classificar a postura de um time durante a ditadura militar. O Corinthians teve sua Democracia, mas também um presidente ligado à repressão – Wadih Helu, que colaborou com o golpe de 1964 e que, ao lado de José Maria Marin, pediu investigações contra os subversivos jornalistas da TV Cultura. A escalada de investigações acabou terminando na prisão e, depois, na tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog – justamente da TV Cultura.
Da mesma forma, o Fluminense. Enquanto Francisco Horta denunciou os desmandos do Almirante Heleno Nunes na CBD, em 1977, jogadores apoiaram o ex-arenista Paulo Maluf sete anos depois. “ Os clubes envolvem torcidas de diferentes posições políticas e sociais”, analisa Laércio Becker, pesquisador e autor do artigo ‘A Futebolização da Política’. Para ele, a oscilação dos dirigentes é normal. Afinal, uma torcida só tem algo em comum – paixão pelo clube. Quando o assunto é política, diz Becker, “não existe algo uniforme”. 
O dinheiro dos clubes vinha do governo
Para discutir a omissão dos clubes em relação à ditadura, especialmente até meados da década de 1970, é essencial pensar que o contexto econômico da época era totalmente diferente. Não existiam acordos milionários de marketing, fortunas sendo pagas na transferência de jogadores ou torneiras jorrando com direitos de transmissão de TV. A renda dos jogos era essencial, assim como as mensalidades daqueles que frequentavam o clube social. O problema é que nem sempre a conta fechava. E, nesse contexto, os dirigentes se acostumaram a abusar do dinheiro doado por seus ‘superiores’: os governos e as federações. Uma relação de dependência que ainda pode ser notada atualmente, mas que era muito mais intensa naqueles anos do regime.
A dependência também significava subserviência, inclusive no distanciamento político. “Não é diferente do que fez a CBD em relação à ditadura. É preciso pensar que o orçamento dos clubes era menor que o atual. Era uma relação de obediência, aceitando como se aquela situação política fosse normal. Era uma consequência direta da postura das entidades, que também dependiam do governo”, analisa o jornalista Roberto Assaf, autor de, entre outros livros, História Completa do Brasileirão.
Não eram raros os mecanismos criados pelo governo para satisfazer a sede de dinheiro dos clubes. A própria loteria esportiva pode ser citada como um exemplo disso, algo promovido pela ditadura a partir de 1969 e que seria fundamental à evolução do futebol brasileiro nos anos seguintes, com seu dinheiro revertido para as competições. Da mesma forma, o Campeonato Brasileiro só foi viabilizado em 1971 depois que o Ministério da Educação e Cultura concordou em bancar viagens e estadias das equipes.
Inclusive, alguns dirigentes tornavam públicos pedidos de dinheiro ao governo, bem como a amortização de dívidas. Segundo o jornalista Marcos Guterman, autor do livro ‘O futebol explica o Brasil’, o Santos chegou a solicitar ao Presidente Médici uma doação para que pudesse controlar os seus gastos – e isso nos tempos de Pelé, quando os alvinegros tinham exposição mundial e a chance de fazer um bom dinheiro com excursões. Já a Revista Placar de abril de 1970 relata que o Londrina pediu ao presidente para perdoar uma dívida com o INPS. Apenas dois exemplos bem divulgados de uma prática que, no geral, era bastante comum.
As grandes obras
Os maiores emblemas dessas benesses financeiras aos clubes eram mesmo os estádios de futebol. Embora a maioria das obras fosse pública, os grandes beneficiados eram os clubes, que poderiam incrementar seus balanços com as rendas dos jogos, sem precisar tirar um tostão do bolso. Era um subsídio aos clubes, no final das contas. Assim, muitos times do interior do país, bem como de capitais do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, acabavam sustentando as bases do regime para serem agraciados com estádios a custo zero. Pelo menos 50 estádios com capacidade para 20 mil torcedores ou mais foram levantados fora das capitais de Sul e Sudeste entre 1964 e 1985.
Até os estádios particulares levantam suspeitas. Afinal, era favorável à ditadura fomentar a construção de obras que demonstrassem a grandeza do país em meio ao milagre econômico. Inaugurado em 1972, o Arruda é do Santa Cruz, mas foi bancado por um empréstimo do Bandepe, o antigo banco público de Pernambuco. O nome oficial do estádio, aliás, é José do Rego Maciel – um político da Arena, o partido do regime militar. O Sport seguiria no mesmo caminho, com o projeto megalomaníaco do Estádio Presidente Médici. Ele teria capacidade para 140 mil pessoas e foi planejado por Oscar Niemayer. Por falta de dinheiro, não saiu do papel.
Já no sul do país, os dois principais estádios particulares erguidos na época do regime foram o Beira-Rio e o Morumbi – este inaugurado em 1960 e ampliado depois, contando com a participação de Médici na reabertura, em 1970. Enquanto entre os colorados prevalece a ideia do mutirão para a construção de sua casa, os registros dos tricolores mostram que nenhum dinheiro público foi liberado para as obras durante a ditadura. “Costumam relacionar a ampliação do Morumbi a Laudo Natel. Mas o dirigente não era mais governador na época das obras, entre 1968 e 1970”, conta Michael Serra, historiador do São Paulo. O que não pode ser medido, por não estar em registros oficiais, é o quanto de relação política foi usada nos bastidores para facilitar quaisquer construções. Afinal, construtoras, no Brasil, vivem de obras públicas. E sempre é conveniente agradar a quem está no poder. Uma  discussão que, ressalte-se, também é muitíssimo contemporânea – por exemplo, diante das relações que podem ser feitas entre o ex-presidente Lula e o Itaquerão. Não há provas, apenas indícios.
Tramas que envolviam clubes que nem mesmo ergueram estádios no período da ditadura. O Flamengo talvez seja o maior símbolo, sistematicamente chamado para as inaugurações desses campos. Em um dos casos, os rubro-negros estrearam o Verdão, em Cuiabá, com direito à presença do presidente Ernesto Geisel nas arquibancadas e à exibição da faixa ‘Brasil, 12 anos de paz e segurança’ . “As coisas no Flamengo passam muito rápido. A cobrança é tanta que um amistoso vira jogo de Copa do Mundo. Essa alienação não nos permitiu perceber que, naquela ocasião, não eram cartolas nas arquibancadas, eram militares”, narra Zé Roberto, ex-jogador de Flamengo e Fluminense, autor do artigo ‘Desculpe-nos, família Herzog’, que fala sobre esse episódio no Mato Grosso.
O jogo político também pesava
A  gente pode ter um pé atrás com eles, mas é inegável que os cartolas dos principais clubes do Brasil estão entre as pessoas mais influentes do país. Afinal de contas, eles comandam entidades que mobilizam milhões de pessoas. Na  ditadura, a situação era a mesma.
Naquela época, muitos dos dirigentes estavam alinhados ideologicamente com o regime e colocaram os clubes a serviço do regime. Segundo o historiador René Armand Dreifuss, representantes de Corinthians, Palmeiras, Portuguesa e São Paulo apoiavam a realização do golpe de 1964, membros de organizações populares que eram consideradas importantes pelos militares. Se muitos dos presidentes de federações eram oficiais ou políticos, o mesmo acontecia, ainda que em menores proporções, entre os dirigentes dos clubes.
Wadih Helu, deputado estadual pela Arena, era presidente do Corinthians. Já Laudo Natel chegou a conciliar o governo de São Paulo com a presidência do São Paulo. “Inclusive quando era governador, Natel costumava ficar à beira do campo nos jogos do clube. Mas não sei até que ponto a presença fazia diferença para os jogadores. Em geral, eles eram alienados. As declarações da época não deixam a impressão de haver esse terror. O que poderia acontecer era o medo por ser uma autoridade, considerando a origem simples da maioria dos jogadores”, afirma Alexandre Giesbrecht, pesquisador da história do São Paulo e autor de livros sobre o clube.
E esses laços fortes não eram exclusividades dos grandes clubes do país. Na inclusão de times no Campeonato Brasileiro durante a gestão de Heleno Nunes na CBD, o famoso ‘onde a Arena vai mal, um time no nacional’, esse clientelismo era bastante claro. Em 1978, por exemplo, o Itabuna entrou na competição graças a um mutirão organizado pelos produtores de cacau da região, assim como por intervenção do governador baiano Roberto Santos, que queria tirar o prefeito do MDB do comando do município. Já em 1976, duas ações no Vale do Paraíba. Os arenistas obrigaram a união de clubes para formar o Volta Redonda, um representante forte da cidade da Companhia Siderúrgica Nacional. Já o prefeito biônico de São José dos Campos comprou o estádio do São José, salvou o clube das dívidas e provocou uma mudança nos símbolos da equipe. Não à toa, clubes de ‘áreas de segurança nacional’.
Mesmo que um clube não tivesse necessidades financeiras, interesses extracampo ou laços políticos, era impossível que ele cortasse o cordão umbilical do regime. Afinal, a legislação vigente fazia com que ele se mantivesse atrelado às decisões centrais. Durante o regime, ainda prevalecia o Conselho Nacional de Desportos (CND), criado por Getúlio Vargas em 1941, em bases de um Estado totalitário. Durante este período, quando houve mudanças, especialmente em 1975, foram para privilegiar as federações em detrimento aos clubes. “É preciso olhar o histórico do CND, com muitos pontos absurdos, um texto que se assemelhava às políticas de esporte da Alemanha nazista de Hitler e da Itália fascista de Mussolini. Até a mudança da legislação, os clubes eram obrigados a respeitar as normas do governo”, pontua Roberto Assaf.
Durante os ‘Anos de Chumbo’, de 1968 a 1974, a grande exceção entre a postura obediente dos clubes foi de Grêmio e Internacional. Em 1972, o governo preparava uma grande festa pela comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil, usada também como propaganda política. E, entre as festividades, estava a Taça Independência, uma ‘Mini Copa do Mundo’ disputada pela Seleção. Contudo, a ausência de Everaldo na convocação do técnico Zagallo, o único jogador do Rio Grande do Sul a se sagrar campeão em no Mundial 1970, causou uma comoção popular entre os gaúchos. A ausência do lateral foi considerada um desaforo, e resultou em um amistoso disputado entre o Brasil e a Seleção Gaúcha, composta por jogadores de Grêmio e Inter – mesmo estrangeiros ou nascidos em outros estados. “O Beira-Rio estava enfurecido. Foram 110 mil pessoas, que  vaiaram o Brasil do primeiro ao último minuto. Era como se estivesse em uma situação de guerra, uma manifestação de resistência à ditadura. Uma inevitável referência à Revolução Farroupilha. Também foi a única vez que os rivais se uniram”, afirma o historiador Cesar Guazzelli, professor da UFRGS. A partida terminou empatada em 3 a 3.
A relação entre clubes e jogadores
Se durante a época mais repressiva da ditadura os clubes se mantinham alinhados com o regime, também eram raríssimos os casos de jogadores que transgrediam ao sistema. Afonsinho foi um grande símbolo desse momento, tanto por seu envolvimento com o movimento estudantil, quanto por sua imagem rebelde, com barbas e cabelos compridos. E sua briga pelo direito ao passe livre gerou ecos, tanto pelo exemplo em uma sociedade censurada quanto por desdobrar outras lutas, como a de Raul Plassmann, que se desligou do Cruzeiro e depois negociou seus direitos com o próprio clube.
O momento mais marcante de Afonsinho aconteceu em seu retorno ao Botafogo, em 1971, pouco antes de iniciar efetivamente sua briga pelo desligamento do clube. ”Quando me apresentei ao time, tive problemas com o Zagallo. Diziam no clube que por causa da minha barba, do meu cabelo, eu estava parecendo músico do ‘Iê-iê-iê’, como o rock era chamado naquela época”, afirma o próprio jogador. Da mesma forma, outro nome importante era o de Paulo César Caju. O craque representava outra quebra de paradigmas por seu envolvimento com o movimento afro, visto com preconceito por muitos. Embora fosse apolítico, passava longe do comportamento considerado como ideal.
Ainda assim, as retaliações contra Afonsinho e Caju se concentravam em suas imagens, não em relação ao debate político. Um silêncio que não tinha tanta relação a uma possível repressão dos clubes. Ele era mais ligado ao distanciamento do debate político dos técnicos e da alienação da maioria dos jogadores. “Os cartolas eram como hoje, omissos em relação aos atletas. Já os profissionais da comissão técnica que emergiram naquele momento, saídos da Escola de Educação Física do Exército, eram muito competentes, mas não discutiam política. Estávamos em uma bolha, éramos alienados. Eu só percebi isso depois que fui cortado das Olimpíadas de 1972, quando fiquei desiludido e me matriculei na faculdade de direito. Ali eu vi como os atletas poderiam dar voz contra a ditadura e não faziam”, coloca Zé Roberto. “Posso dizer de coração que ninguém discutia política, era pura alienação. Meus professores na faculdade falavam de política, mas os professores nos clubes só falavam de tática”.
A reabertura política, a abertura do futebol
Sociedade e política costumam andar lado a lado. E isso ficou evidente a partir da metade final da década de 1970, quando as manifestações de jogadores e as liberdades dentro dos próprios clubes se tornaram maiores. A própria organização do futebol brasileiro mudava. A CBD dava lugar à CBF, que passaria a cuidar dos interesses dos clubes. Era uma maneira de tentar tornar o Campeonato Brasileiro rentável e realmente interessante. Em tempos de crise do petróleo, com as fontes de dinheiro do governo secando, os paulistas preferiram desistir da disputa do torneio nacional em 1979 para se dedicarem ao estadual, mais rentável. Corinthians, Santos e São Paulo não entraram no certame.
Com o dinheiro desaparecendo, os dirigentes começavam a se afastar do regime para buscar outros meios de se viabilizar financeiramente. “Houve uma grande briga quando o Nuzman tentou colocar patrocínios nas camisas do vôlei a partir da metade final dos anos 1970, o que teria consequências também no futebol. Ele teve que derrubar vetos do CND. Não dá para imaginar que ele e o Havelange lutavam apenas por amor ao esporte. Mas a partir disso, os clubes ganharam uma nova renda, puderam fazer parcerias com empresas”, relata Roberto Assaf. Outro momento marcante é encabeçado pelo Flamengo. Márcio Braga chegou à presidência do clube em 1977, em uma época na qual as transmissões dos jogos se expandiam. E os rubro-negros foram os pioneiros a exigir o pagamento dos diretos de TV.
Ao mesmo tempo, os próprios jogadores começaram a mudar aquela realidade. Zé Mario no Vasco e Zico no Flamengo faziam uma dobradinha para criar o sindicato dos atletas no Rio de Janeiro, enquanto a organização dos atletas também tomava forma em outros estados. Já Sócrates e Reinaldo apareciam com um discurso político bem mais contundente. “Até chegar a figura do Sócrates, não havia luta política, os jogadores lutavam mais pela classe. Quando eu estava na universidade, levava para a concentração textos para discutir política. Tanto que passei a ser conhecido como ‘Pasquim’ pelos meus companheiros. Mas não havia esse posicionamento dos jogadores”, analisa Zé Roberto. O próprio Reinaldo afirma que não temia sofrer retaliações internas no Atlético Mineiro, por ser o principal jogador do clube e também o mais popular entre os torcedores. E um bom exemplo disso é que o presidente do Galo, Valmir Pereira, veio a público defender a convocação de seu craque, diante das acusações de que ele só estava ausente da seleção por motivos políticos.
Nesse processo de distensão, as torcidas também contribuíam para deixar para trás as omissões dos clubes nos tempos mais duros, tornando rotineiras as manifestações que eram pontuais nos Anos de Chumbo. Em 1976, os colorados vaiaram a polícia militar, que impediu que se respeitasse um minuto de silêncio a João Goulart, seu ex-jogador da base e presidente deposto pelo golpe. Os corintianos levaram faixas apoiando a anistia em 1979. Em 1984, meses depois que torcedores de Vasco e Fluminense abafaram o hino nacional com os gritos de ‘Diretas Já’ na final do Brasileirão, tricolores e flamenguistas apontavam que Tancredo Neves era a solução, durante a decisão da Taça Guanabara. Já atleticanos e cruzeirenses gritaram em uníssono o nome de Tancredo em um clássico, às vésperas do dia da posse do primeiro presidente civil em 21 anos, que estava internado em estado grave.
Não havia motivo para os clubes reprimirem essas manifestações populares. A dependência financeira do governo já era bem menor, assim como os laços políticos. E embarcar na onda de otimismo pelo novo país que se desenhava era benéfico. Em uma perspectiva histórica, até fica a impressão de que, em alguns casos, os dirigentes combateram a ditadura durante os 21 anos. Entretanto, cabe lembrar que todos tem sua parcela de culpa. A omissão podia evitar a repressão, mas não trazia perspectivas de um Brasil livre.


fonte: http://trivela.uol.com.br/o-que-o-seu-clube-fez-durante-ditadura/

Roberto Carlos em ritmo de ditadura


Em 1979, um cantor circulava pelos corredores de Brasília causando alvoroço entre as secretárias. Roberto Carlos, aos 38 anos, cabelos cacheados, fazia visitas pontuais a autoridades do governo. Seus passeios pelo Planalto tinham um propósito: conseguir a concessão para uma emissora de rádio. “Ouvi gritos no corredor e, de repente, entrou o Roberto Carlos em meu gabinete. Tomei um susto. Ele tinha vindo fazer uma visita de cortesia. Isso não era necessário, porque as concessões eram dadas pessoalmente pelo ministro ou pelo presidente. Eu cuidava apenas da documentação burocrática”, diz Rômulo Furtado, na época secretário-geral do Ministério das Comunicações. O ministro era o capitão da Marinha Quandt de Oliveira. O presidente era o general Ernesto Geisel.
Roberto Carlos andava em companhia do radialista Cayon Gadia, seu sócio na empreitada. O governo distribuía concessões de rádio e restavam poucas faixas na frequência FM. Entre as grandes capitais brasileiras, havia um espaço atraente em Belo Horizonte. Na época, a distribuição das emissoras não obedecia necessariamente a critérios técnicos. “O nome de Roberto Carlos e o prestígio dele já eram credenciais suficientes para garantir a concessão”, diz Rômulo. O trabalho de lobby só deu resultado mais de um ano depois. No princípio do governo de João Baptista Figueiredo, Roberto Carlos conseguiu autorização para montar a Rádio Terra, que manteve durante 15 anos em Belo Horizonte – sem que o público nem mesmo os empresários do setor soubessem de sua participação.
Essa passagem desconhecida da biografia de Roberto Carlos foi o ponto culminante de suas boas relações com o poder ao longo de duas décadas de ditadura no país. Nos anos de chumbo, ele foi condecorado com a Medalha do Pacificador, ocupou cargos em conselhos do governo, livrou-se da censura com a ajuda do ministro da Justiça e foi contratado pelo Exército para atuar em inúmeros shows em homenagem à Revolução. Embora sempre tenha levado uma carreira de empresário paralela à de músico – na época da ditadura, ele tinha boate, postos de gasolina e uma locadora de automóveis –, a rádio foi um negócio bastante vantajoso, já que não teve de pagar nem um centavo pela concessão.
Seu sócio na emissora, Cayon Gadia, morreu em 2007. A mulher dele, Regina Blanco Ferreira, de 72 anos, relembra o caso. “Eles iam a Brasília falar com o presidente Figueiredo e com o Golbery (do Couto e Silva). Cayon ficou impressionado de ver o prestígio de Roberto ”, diz. Roberto Carlos nega. Em resposta  a ÉPOCA por e-mail, ele informa que apenas aceitou o convite recebido pelo sócio e que não se lembra da ajuda de nenhum político ou militar para conseguir a concessão. “Que eu saiba não. Quem tratou de tudo foi o próprio Cayon Gadia”, diz.
Roberto Carlos já era funcionário do Ministério da Educação e Cultura quando os militares tomaram o poder, em 1964. Tinha 23 anos e trabalhava como assistente de relações-públicas na rádio MEC, no Rio de Janeiro. “Ele fazia serviços diversos. Pegava endereços que eu precisava ou ligava quando eu tinha de falar com alguém. Logo pedia para ir embora, porque precisava fazer seus shows”, diz a jornalista Noemi Flores, sua chefe na época, hoje com 92 anos. Depois que mudou de função, Noemi diz que nunca mais viu Roberto Carlos por lá. O nome dele continuou constando como funcionário até que sua exoneração fosse publicada, em 1970.
Em maio de 1967, Roberto Carlos já era uma espécie de unanimidade nacional, quando foi recebido para uma audiên­cia a portas fechadas com o ministro da Justiça, Luiz Antônio da Gama e Silva. Ele era um revolucionário ardoroso, redator e locutor do AI-5, medida mais dura do regime. Precisamente em 1968, ano do AI-5, o cantor lançou seu primeiro filme, Roberto Carlos em ritmo de aventura. O longa-metragem de ação não trazia nenhuma referência crítica ao regime, mas seu trailer foi barrado pela Censura, por questões burocráticas. Os produtores não conseguiram enviar a tempo uma cópia integral do filme, pré-requisito para que o trailer fosse liberado. Diante do impasse, o ministro Gama e Silva enviou um telegrama urgente à Divisão de Censura da Polícia Federal, que atuava sob seu comando. Ele pedia ao chefe da Censura para “abrir uma exceção” e liberar o trailer sem assistir ao filme. “Se trata de uma história cujo protagonista é o mais admirado e popular artista brasileiro”, afirmou o ministro. O trailer foi liberado no dia seguinte.
Em 1971, Roberto Carlos mandou um telegrama de condolências ao ministro da Aeronáutica, marechal Márcio Melo, lamentando a morte de três militares num acidente, durante um show da Esquadrilha da Fumaça. Nesse mesmo ano, um comunicado do Serviço Nacional de Informações (SNI) criticava a imprensa por “atingir a honra” de diversos artistas por meio de “noticiário difamatório”. “A incidência deste desgaste recai seguidamente sobre determinados artistas que se uniram à Revolução de 1964 no combate à subversão e outros que estão sempre dispostos a uma efetiva cooperação com o Governo”, diz o informe. Entre os artistas, aparece o nome de Roberto Carlos e de seu empresário na época, Marcos Lázaro.
Roberto Carlos realizou shows durante as Olimpíadas do Exército, em 1971 e 1972, na Presidência do general Emílio Garrastazu Médici. Os jogos serviam para aproximar os militares da população, enquanto o regime iniciava ações duras contra opositores. O ano de 1972 marca a desarticulação da Guerrilha do Araguaia, que deixou 62 mortos na região amazônica. Foi também o ano em que Roberto Carlos ganhou sua primeira nomeação no governo, para participar da Comissão Nacional Anti-Tóxico, do Ministério da Educação e Cultura. O objetivo da comissão era elaborar projetos para o combate às drogas. A escolha dos integrantes foi feita pelo então coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação na época. Com 31 anos, Roberto Carlos era o integrante mais jovem. “Nos reuníamos periodicamente em Brasília, para que cada conselheiro apresentasse sua proposta. Não vi o Roberto Carlos em nenhuma reunião”, diz Lygia Maria Bastos, hoje com 94 anos, então deputada estadual pela Arena, o partido do governo.
Em 1973, Roberto Carlos foi agraciado com a Medalha do Pacificador, honraria concedida a militares ou civis que de alguma forma contribuíam com o Exército. Mais tarde, a medalha ficou famosa por homenagear os torturadores do regime. Ele a recebeu em São Paulo, das mãos do general linha-dura Humberto de Souza Mello. Segundo a justificativa publicada no Boletim do Exército, a medalha foi concedida “pela inestimável colaboração prestada ao Exército”, em especial durante a realização de sua IV Olimpíada. Os jogos aconteceram no Recife naquele ano, e Roberto Carlos foi a grande atração do show de encerramento. Depois de receber a medalha, ele se apresentou durante a exposição O Brasil de hoje, que enumerava as realizações do governo ao longo de nove anos de ditadura. O músico Martinho da Vila também participou do evento.
Dois anos depois, o jornalista Vladimir Herzog foi torturado até a morte nas instalações do Exército em São Paulo. Sua morte desencadeou uma onda de insatisfação na classe média. Também em 1975, no mês de março, Roberto Carlos apareceu cantando num programa de televisão comemorativo ao 11º aniversário do golpe militar, transmitido em cadeia nacional. O programa contou com pronunciamento de vários políticos ligados à Arena. Também participaram do programa os músicos Jair Rodrigues e Eliseth Cardoso.
Em 1976, Roberto Carlos recebeu a Ordem do Rio Branco, reconhecimento do governo brasileiro pelos serviços prestados à nação. Quem entregou a medalha foi o presidente Ernesto Geisel. Naquele mesmo ano, ganhou seu segundo cargo no governo, desta vez no Conselho Nacional de Direito Autoral, que dava a palavra final em disputas relativas a direitos autorais no país. Os conselheiros participavam de reuniões quinzenais em Brasília. Recebiam passagem aérea, hospedagem e um jeton por reunião. Roberto Carlos ficou três anos na função. “Ele não ia a todas as reuniões, mas era um conselheiro frequente. Não abria a boca. Enquanto os outros conselheiros discutiam, ele apenas se sentava na cadeira. No final ia embora, sem falar praticamente nada”, diz Divaina Borges, então secretária do conselho. Um dos projetos apresentados por Roberto Carlos sugeria a criação de uma entidade que representasse os compositores de jingles publicitários. Os pareceres assinados por ele não foram preservados pelo ministério. “Ele olhava as questões com olhos de grande arrecadador que era, já que recebia direitos autorais como compositor, intérprete e editor”, diz o jurista Carlos Fernando Mathias de Souza, então presidente do conselho.
Roberto Carlos continuava na função quando criou a sociedade Rádio Terra Ltda., em fevereiro de 1979. Segundo o contrato de fundação, as transmissões teriam propósito educativo, cultural e informativo, mas também “cívico e patriótico”. O documento diz que a empresa poderia abrir sucursais ou filiais em todo o país. “Nos corredores do ministério, sabia-se que o desejo deles era criar uma rede de emissoras de rádio em algumas capitais brasileiras”, diz Rômulo Furtado, ex-secretário-geral do ministério. A concessão foi publicada no Diário Oficial em agosto de 1980. Os dois sócios conseguiram apenas uma emissora e levaram quatro anos para colocá-la no ar. Antes disso, Cayon Gadia saiu do negócio. “Ele não gostava de falar muito do assunto. Dizia apenas que pessoas próximas ao Roberto Carlos ficaram com ciúme da sociedade”, diz sua viúva, Regina Blanco. Sua parte foi vendida para José Carlos Romeu, radialista que apresentava shows de Roberto Carlos, e Sérgio Orensztejn, sócio de Roberto Carlos em uma locadora de automóveis.
Roberto Carlos foi à missa de inauguração e praticamente não voltou à rádio, que também não tocava músicas suas. “Ele queria deixar claro que era um negócio do empresário, não do artista”, diz Marco Aurélio Jarjour, que entrou na sociedade e hoje é o dono da emissora. Roberto Carlos vendeu sua parte em 1994. “Não houve motivo especial. Marco Aurélio se interessou em comprar  minha parte, e aceitei a proposta”, disse Roberto Carlos por e-mail.
Roberto Carlos nunca fez músicas exaltando o regime, como a dupla Dom e Ravel. Ao longo da ditadura, manteve uma postura apolítica. Para o governo, era uma posição conveniente. “O perfil do Roberto Carlos era avaliado como positivo pelo regime. Se os militares conseguissem colar sua imagem à de um grande ídolo popular como ele, que ainda por cima não criticava a ditadura, seria interessante para eles. Mas isso não chega a constituir um apoio ou conivência. Houve ingenuidade política”, diz o historiador Carlos Fico. Uma concessão como a Rádio Terra, nos dias de hoje, vale em torno de R$ 2 milhões, segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. 

Raquel Rolnik: Segregação urbana aceita na ditadura segue sendo o padrão


por Luiz Carlos Azenha

A arquiteta Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU), está encerrando seus seis anos de mandato como Relatora Internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Durante este período, ela fez 12 missões internacionais avaliando as condições de moradia no mundo.
No Brasil, ela diz que pouco mudou desde que a ditadura militar promoveu a urbanização segregacionista, que reservou as melhores áreas urbanas aos ricos e jogou os pobres na periferia, distantes dos serviços públicos. Embora tenha havido avanços na Constituição de 1988, pouco saiu do papel. O direito à posse, previsto na Carta, é atropelado sempre que o Estado precisa de espaços para novas obras, como se viu no caso da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. A reforma urbana foi abandonada.
Minha Casa, Minha Vida, tocado com dinheiro da Caixa Econômica Federal, paga às construtoras o mesmo valor pelos imóveis, independentemente de onde sejam construídos. Para aumentar a lucratividade, as construtoras optam por construir em áreas distantes dos serviços, embora tenham de atender a certas condicionalidades.
Raquel diz que, hoje em dia, por causa da globalização, os capitais internacionais passaram a disputar a localização com os mais pobres. Ou seja, um investidor árabe interessado em construir no Recife disputa o terreno com o morador pobre que ocupa imóvel no centro da cidade! Sem que haja proteção aos mais pobres, segue a gentrificação.
Na entrevista abaixo, a arquiteta fala também do fracasso das ideias de Hernando de Soto, o economista que pregava dar títulos de propriedade aos pobres como panaceia para todos os males. Em tese, esses títulos permitiram aos novos proprietários ter acesso ao sistema financeiro e sair da pobreza. Nada disso aconteceu. Aliás, as ideias neoliberais do economista permitiram a paises desenvolvidos o desmonte de seus programas habitacionais. Nos Estados Unidos e na Espanha, quando o mercado imobiliário bombado artificialmente implodiu, em 2008, os bancos foram salvos pelo Estado e os pobres perderam suas casas!
Sobre a crise urbana no Brasil, Rolnik diz que sempre existiu para os mais pobres, mas ganhou relevância agora por ter tocado na classe média que não consegue mais se deslocar de automóvel.