segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

O JESUS VISTO PELOS HISTORIADORES

Professor Wagner Freitas

Data: 13/04/2006

Caros amigos desejo-lhes boa páscoa e grandes reflexões durante a Semana Santa. Gostaria de escrever um pouco sobre o grande homem das religiões cristãs. Irei analisar a sua vida como homem, o seu território vivido, a política da época, os costumes, as escritas, o propósito dele, entre outras esferas. Enfim, demonstrarei como era esse homem Jesus e não necessariamente o Jesus “Messias”, seu comportamento social e suas influências intelectuais. Estão a fim de verem novidades, então vamos à leitura e reflitam a luz de suas convicções. Antes de qualquer coisa gostaria de dizer que a maioria das informações contidas nesse texto encontra-se na Super-Interessante, abril de 1996 e Globo Ciência, dezembro de 1997, adaptados por mim.

“Há, porém, muitas outras coisas de Jesus e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam” (João, 21, 25).

Falar de Jesus é grandioso e ao mesmo tempo uma responsabilidade dobrada, devido a tudo o que cerca em relação a esse nome. Demanda estudo e reflexões além da Bíblia. Vejo-me bastante tranqüilo a esse respeito, pois acho que Cristo foi um dos revolucionários da história mundial, ao lado de grandes nomes registrados e ocultados pela história. Em se falando de ciência e a História também se comporta como tal, sabe-se muito pouco sobre Jesus. São tão ocultas as fontes sobre ele que não são poucos os estudiosos que se enveredam neste campo de pesquisa. Mesmo assim, é grande o número de pesquisadores dedicados a esse assunto. As pistas são precárias e cheias de controvérsias, mas apresentam novas respostas-perguntas sobre o Jesus Cristo[1].

Começamos então a falar do cenário histórico-político a época de Jesus. Jesus Nasceu antes de Jesus, não é doideira não. Explico melhor: segundo estudiosos “Cristo só nasceu no dia 25 de dezembro por obra do papa João I, que decretou a data do Natal no ano de 525[2]. Mudava ali o calendário cristão. O Monge Dionisio Exiguus, incubiu de determinar o ano zero, errou nos cálculos. Segundo Lucas e Mateus, Jesus nasceu ‘perto do fim do reino de Herodes’. Problemas: Herodes morreu em 4 a.C. Hoje, a tese mais aceita é a de que Jesus tenha nascido no ano 7 a.C, um pouco antes da morte de Herodes”[3].

Quando Jesus nasceu, Israel havia perdido sua independência política. Desde o século 6 a.C., babilônios, persas, gregos e romanos ocuparam sucessivamente a Palestina. Durante o domínio romano os judeus tiveram que pagar inúmeros impostos. No ano 40 a.C, Herodes foi proclamado rei da Judéia pelo Senado romano. Considerado um estrangeiro em Israel, ele era originário da Iduméia, território outrora dominado pelos judeus. Herodes era um monarca detestado. Casou-se com uma princesa asmonéia e a matou. Ele também matou quatro filhos, a sogra e o cunhado. Insultou os judeus construindo templos pagãos e um hipódromo para lutas de gladiadores em plena Jerusalém. Elaborou também obras urbanísticas e arquitetônicas. No governo dele, Jerusalém e várias outras cidades foram reurbanizadas ao estilo romano e embelezadas por palácios, anfiteatros, hipódromos, piscinas e jardins. Quem financiou isso tudo? O povo é claro, pagando pesados impostos.

Quando Herodes morreu, no ano de 4 a.C, o reino foi dividido entre seus filhos Arquelau, Filipe e Herodes Antipas. Jesus viveu num período conturbado. O povo estava insatisfeito e era comum acontecer levantes contra a política romana em Jerusalém, principalmente no século 60 d.C. Na década de 70 d.C, as legiões comandadas por Tito, futuro Imperador Romano, arrasou com Jerusalém. Jesus nasceu sobre o governo de Herodes, ano em que houve 2.000 crucificações na Judéia. Havia grande anseio apocalíptico na Judéia durante o século I. Esperava-se a vinda de um Messias, o predecessor que iria libertar Israel do julgo romano. Com o Messias viria também o fim do mundo, o reino de Deus na terra e uma nova era para o povo escolhido. Profetas maltrapilhos anunciavam o fim dos tempos e pregavam a salvação. Fora isso, um grupo chamado Zelotes, organizava atentados contra os romanos, planejando a revolta liderada pelo Rei Messias.

Essas novas informações foram possíveis graças a achados feitos por arqueólogos e que fazem um estudo minucioso, confrontando com outros ramos do saber (história, teologia, lingüística, filologia etc.). Como exemplo em abril de 1992, em uma gruta do sítio arqueológico de Qumram, situado às margens do mar Morto, perto da cidade de Jericó, na Palestina, foi encontrado um fragmento de papiro (os chamados Manuscritos do Mar Morto), datado de 50 d.C. A leitura do texto, em caracteres gregos, não davam margem de dúvida: tratava-se de uma conhecida passagem da vida de Jesus narrada no evangelho de Marcos. Essa descoberta derruba definitivamente a idéia de que os evangelhos são obras tardias, separadas por várias décadas dos fatos narrados, e por isso, pouco confiáveis.

Os especialistas acham que, antes de qualquer registro escrito, consolidou-se, muito cedo, uma tradição oral acerca da vida e da mensagem de Jesus. À medida que as testemunhas oculares dos acontecimentos começaram a morrer, as comunidades cristãs primitivas sentiram a necessidade de fixar essa tradição por escrito.

Os quatro evangelhos (Marcos, Mateus, Lucas, João) foram redigidos em grego, o idioma predominante entre os judeus que viviam na Palestina. Porém, segundo Papias (60/135 d.C), bispo da cidade grega de Hierápolis, Mateus escreveu primeiro “em língua hebraica”, sendo depois traduzido para o grego. O que Papias chamou de hebraico era, mais provavelmente, o aramaico, idioma falado na Palestina desde o século 6 a.C. Jesus não falava com o povo em hebraico, como muitos pensam, mas sim em aramaico.O hebraico era considerada uma língua sagrada, era utilizada apenas nos ritos religiosos. Já o aramaico é um idioma do grupo semítico, originário da Alta Mesopotâmia. A partir dos últimos reinados assírios e persas, do século 6 a.C, ele se tornou uma língua internacional, utilizada principalmente no comércio. Jesus além de hebraico e aramaico, falava também grego – considerado o inglês da época – introduzido na Palestina em 332 a.C, com a expansão de Alexandre Magno.

De acordo com as pesquisas Jesus não nasceu em Belém, na Judéia, mas em Nazaré, na Galiléia, no norte de Israel. Para a maioria dos pesquisadores os reis magos, o presépio e a estrela de Belém são invenções dos evangelistas para identificar o nascimento de Jesus com a vinda do Messias, que já era anunciado no Velho Testamento. Os estudiosos também sabem que os evangelhos oficiais da Igreja (os quatro anunciados anteriormente) dão mais testemunhos de fé do que da verdade histórica. Esses evangelhos apresentam discrepâncias e contradições inconciliáveis. Para resolvê-las e ajustar o foco da ciência sobre o chamado Jesus histórico, as próprias instituições religiosas financiam estudos e mais estudos. O que cada vez fica provado é que o os quatros evangelhos oficias da Igreja do Novo Testamento não foram escritos por seus autores. São, muitos provavelmente, compilações de mensagens anônimas ou atribuídas aos apóstolos, orais ou escritas, dos séculos I e II. Os nomes dos quatro evangelistas apenas identificam conjuntos de ensinamentos escritos e reescritos pelas comunidades, sucessivamente[4].

Outra revelação interessantíssima é que o Novo Testamento foi escrito em grego – língua culta. Cristo é uma palavra grega (o ungido) e a primeira capital mundial da cristandade não foi Roma, e sim a grega Constantinopla. Até o século IV, a missa, em Roma, era celebrada em grego. A popularidade do Novo Testamento aconteceu com a propagação do latim feita por São Jerônimo, na Palestina, século V. Durante séculos e séculos, os monges copistas reproduziram esses textos a mão, às vezes reelaborando-os segundo as conveniências da doutrina. Alteraram não só o Novo, como também o Velho Testamento[5].

E quem foi Jesus? Como viveu? Aonde andou? Jesus era filho de um carpinteiro e portanto herdado os dotes dele. Ser carpinteiro naquela época era ser pedreiro, serralheiro e carpintaria propriamente dito, isso deriva da palavra grega tékton usada por Marcos. O que significa isso? Que Jesus era trabalhador autônomo, exercendo diversas habilidades profissionais. Alguns autores imaginativos acreditam que Jesus em busca de conhecimento intelectual chegou até civilizações do Extremo Oriente – Índia e o Tibete. Não há nada que comprove ou desminta esse feito, sendo mera idealização desse gênero literário. Jesus era culto, pois era quase impossível encontrar judeu analfabeto. Por força da tradição, o menino precisava ser alfabetizado, pois, ao completar 13 anos, devia comparecer à sinagoga e ler uma passagem da Bíblia, durante a cerimônia do Bar Mitzvá, na qual se tornava responsável por todos os seus atos. A educação básica, restrita ao sexo masculino, compreendia a leitura e a escrita, a história do povo judeu e o conhecimento dos salmos, adotado como orações. Em relação a estudos superiores, tudo leva a crer que ele não teve acesso a uma educação com um rabino, seu estrato social não permitia. Sobre o celibato, tudo leva a crer que Jesus era realmente solteiro; porém o comum era que tanto rabino ou mestre e um judeu religioso, constituíam famílias.

Sabe-se por terceiros que Jesus foi batizado,curou, ressuscitou, foi tentado pelo Diabo no deserto, fez milagres, andou pelas águas, multiplicou comida, fez abundância na falta de vinho, aglomerou peixes para ser facilmente fisgado, entre outros. Jesus não era loiro, de olhos azuis e traços europeus. Ao contrário, possuía as feições dos semitas (antigos judeus, árabes, outros povos do Oriente Médio). Isso quer dizer que ele era moreno, de olhos e cabelos castanhos escuros, sobrancelhas grossas e nariz adunco. Os estudos atuais revelam que o Santo Sudário é datado da época da Idade Média, portanto depois da dominação romana, ou seja, o Santo Sudário, para alguns, é uma fraude.

Jesus age num contexto de intensa agitação política. E sua ação converge ou se choca com a de diferentes partidos e seitas. Vejamos alguns deles,

a) Saduceus: grandes proprietários de terras (anciões) e membros da elite sacerdotal, controlava o Sinédrio (Conselho Supremo de Israel) e era correligionários com os romanos;

b) Escribas: tinham autoridade de interpretar as Escrituras. Também tinha influência no Sinédrio, nas sinagogas e nas escolas;

c) Fariseus: tem raízes do hebraico perishut, que significa separação. Os Fariseus se separavam do resto da comunidade judaica porque não cumpria com as regras de pureza prescrita no Torá, em especial no livro do Levítico: eram formados por diversas camadas sociais, principalmente da classe dos artesões e pequenos comerciantes. Eram nacionalistas, esperavam a vinda do messias, que deveria libertar Israel da dominação romana. Acreditavam na imortalidade da alma e na ressurreição do corpo. Essa doutrina influenciou o pensamento cristão;

d) Zelotas: grupo radical da seita dos fariseus, formado por pequenos camponeses e outros pobres da sociedade. Ultranacionalistas, queriam a libertação via arma contra os romanos pagãos. Simão como Judas Iscariotes eram dessa seita;

e) Essênios: sacerdotes dissidentes e leigos exilados, essa seita vivia em comunidades ultrafechadas, nas cavernas de Qumram. Achavam-se os únicos puros de Israel. Eram contra a propriedade privada e ao comércio, valorizava o trabalho manual na lavoura e levavam uma vida comunal. Combatiam tantos os romanos quanto o poder do Templo de Jerusalém. Queriam uma guerra santa para instaurar o reino dos justos. Eles eram apegados aos preceitos de pureza, assim, se afastavam do mundo para não se contaminarem. Acreditavam no batismo na água e na idealização do Messias;

f) Nazarenos: tinha como carro forte a idéia de que Jesus era o Messias e o redentor dos pecados;

g) Mandeísmo: João batista acreditou que Jesus fosse realmente o enviado e batizou-o no Rio Jordão. Mas alguns de seus apóstolos negaram Jesus, tomaram João como messias e fundaram uma religião. O Mandeísmo ainda existe na Turquia e no Irã.

Jesus proclamava-se o messias e aos olhos da seita judaica ele blasfemava. Portanto esse messias deveria, a exemplo de Davi, mil anos antes, libertar o país do domínio estrangeiro e restaurar uma realeza legítima em Israel. Muitos acreditavam que ele viria para acabar com o julgo romano e a corrupção da dinastia herodiana. Mas o ensinamento de Jesus era outro, queria o amor ao próximo, a compaixão, o desprezo ao ódio, a resignação. Seus inimigos souberam tirar proveito disso (Saduceus, doutores da lei, fariseus) e usaram-no para condenar a morte na cruz, que era uma vergonha esse tipo de sentença, só cabível para quem era um ser desprezível e abnegado. A morte para um judeu era a decapitação, esse sim era honroso.

Na tradição Judaica, os homens ficavam doentes porque pecavam e a cura era um monopólio divino. O que é praticamente consenso entre os historiadores é que Cristo atuava em curas por conta própria, indiferentes aos poderes religiosos constituídos no Templo de Jerusalém. Sempre desafiando.

Os planos de Jesus eram outros, muito mais amplos e profundos do que acabar com o domínio romano. Eram planos de paz eterna e isso requer tempo longo. Somado a isso e também por ter desafiado os poderosos no Templo em que expulsou[6] os comerciantes de fé, ou seja, acabou abnegando o centro econômico, político e religioso da Palestina. Ao confrontar esse sistema, Jesus selou sua própria condenação a morte. Interrogado por Pôncio Pilatos sobre se era, como diziam, o rei dos judeus, Jesus teria respondido “meu reino não é deste mundo”, indicando, com estas palavras, a dimensão transcendental de sua mensagem. Isto quer dizer também que o Jesus repudiava a vida terrena, como alguns querem acreditar.

Quero reiterar que não sou especialista em História Antiga, apenas interpreto os fatos pesquisados em livros, jornais e revistas, a luz daqueles que são doutores no assunto. Portanto, se perceberem alguma distorção dos fatos, deixa registrado meu respeito em ouvir opiniões múltiplas.

Sobre a morte de Jesus, é polêmica delinear quem foram os culpados para crucificá-lo. Sabe-se que apenas uma ínfima parte dos judeus (a elite compromissada com Estatuo Quo) representada no Sinédrio (Conselho Supremo de Israel) o condenou. A sentença foi proferida pelo romano Pôncio Pilatos. Se fosse pela lei judaica, sem a intervenção do Sinédrio, Jesus seria condenado a ser apedrejado até a morte. Eram comuns os crucificados sobreviverem por até três dias. Jesus morreu em apenas seis horas. Essa consumação pode ter sido provocada pelas terríveis torturas que ele sofreu. Mas tal interpretação, não exclui a dimensão sobrenatural: (...) “uma vez cumprida sua missão, Jesus foi poupado por meio de uma intervenção divina”.

A Sexta-Feira da Paixão surgiu no dia 7 de abril de 30. Jesus foi crucificado no monte Gólgota. Tinha 36 anos. A Sexta-Feira da Paixão é um momento apropriado para aprendermos com o cristo, seja ele o Salvador ou não, que a tolerância, o amor ao próximo, a compaixão aos necessitados e o amor a Deus é a base comunal para se viver em harmonia, com total respeito mútuo a qualquer tipo de manifestação cultural, étnico, político, artístico e religioso. Espelhar em Cristo Jesus como homem histórico é viver com a alma sempre esperançosa de que um dia o mundo será igual para todos; basta aprendermos a usarmos a maior palavra ensinada por ele: “amar o próximo como eu vos amei”.


[1] “Nos últimos 50 anos, descobertas arqueológicas reviraram o rumo das pesquisas várias vezes. Hoje, os cientistas podem comparar textos antigos, analisar estilo, forma, mensagem e estabelecer pressupostos sobre a cultura da época, seu ambiente e sua idade. O mistério, entretanto, continua. O problema, incontornável, é que faltam fontes. Do nascimento de Jesus até seu batismo, na fase adulta, não há nada, nem nos Evangelhos. Não há nenhuma descoberta arqueológica associada diretamente a vida de Jesus. As historiografias gregas e judaica, tão copiosas sobre outros vultos da Antiguidade, simplesmente ignoram Jesus Cristo. As fontes romanas são posteriores à sua morte. E muitas foram adulteradas pela propaganda religiosa. (grifos meus)”. Textos extraído da Super-Interessante.

[2] Foi fixada para coincidir com festas pagãs do Oriente e de Roma.

[3] Nosso calendário romano-cristão está errado, já devemos estar no ano 2011.

[4] “Há mais de sessenta Evangelhos Apócrifos, como o de Tomé, de Pedro, Felipe, Tiago, dos hebreus, dos Nazarenos, dos Doze, dos Setenta etc, que não entraram no Novo Testamento. (...) Foi o bispo de Alexandria, Atanásio, ainda no século IV, quem escolheu os 27 textos do Novo Testamento e mais 21 Cartas.” Tem enorme valor para a ciência.” Super-Interessante.

[5] “Partes do Gêneses teriam sido criadas por teólogos, entre eles Santo Agostinho (354-430). ‘ O conceito de Pecado Original, derivado da desobediência de Adão e Eva como princípio da história pecaminosa da raça humana, não existe no Velho Testamento judaico’. Cit.

[6] ver Mateus, 21, 12-13

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